Celebrado dentre os árabes como “o Leão dos Mares’’, que guardam até hoje a pratica de recitar o primeiro capitulo do Alcorão por sua alma, e citado no “Lusíadas’’ de Camões, o hidrógrafo, navegador, poeta e cartógrafo muçulmano Ahmad Ibn Majid nasceu por volta de 1432 na antiga Julfar, atual Emirados Árabes Unidos, na época em que outro grande navegante muçulmano singrava os arredores da Arábia, o famoso almirante chinês Zheng He, com seus imensos navios da esquadra real da dinastia Ming.
O que fez Ahmad ibn Majid entrar para história não foi a descoberta de terras novas ou uma vitória em batalha naval, mas sim por ele ter transformado através de seus escritos a arte da navegação em uma ciência elaborada. Poliglota, dominava o tamil, persa e árabe. Escreveu também sobre geografia, religião, história, literatura e genealogia. Realizado poeta, compôs mais de 34 poemas e prosa sobre a ciência da navegação com cerca de versos.
Seu trabalho mais importante, de 38 escritos, foi o Kitab al-Fawa’id fi Usul ’Ilm al-Bahr wa’ l-Qawa’id (Livro de Informações Úteis sobre os Princípios e Regras de Navegação), compilado em 1490, uma enciclopédia de conhecimentos náuticos que tratava principalmente da história e os princípios básicos da navegação, fases lunares, linhas de rumo, a diferença entre a navegação costeira e a mar aberto, a localização dos portos da África Oriental à Indonésia, as posições das estrelas, informações sobre as monções e ventos sazonais, tufões e outros tópicos para navegadores profissionais. Seus escritos reuniam todo conhecimento náutico que se tinha no mundo até então.
Segundo fontes, em 1498 Vasco Da Gama navegou para o porto de Mombaça no Quênia, onde encontrou Ahmad ibn Majid, recrutando-o e pedindo para que o guiasse em sua rota marítima para a Índia, tendo Ahmad aceitado a proposta e levado as naus lusitanas e sua maltrapilha e pobre tripulação por aquele mundo completamente desconhecido por eles, abrindo assim a primeira viagem bem sucedida à Índia na Era das Navegações.
Contudo, a tese da difamação otomana vinda do cronista do século XVI Qutb al-Din deveria neste caso ser encarada como uma prova de que ele ajudou Vasco, e não um desabono, visto que justamente a difamação existe para descredibilizar a natureza do feito de Ahmad, “ajudar os infiéis’’, e não negar que aquilo aconteceu.
Entretanto, algo que é indiscutível sobre a influencia de Ahmad na navegação dos portugueses é que Vasco sem sombra de dúvida levou manuscritos árabes de navegação, provavelmente de Ahmad, à corte na volta de sua expedição no final do século XV. Em seu próprio livro Ahmad chega até mesmo a descrever seu conhecimento das viagens portuguesas, dizendo que uma raça de “francos’’, termo utilizado para europeus em geral, vindos de depois do Marcos, ou seja, Portugal, havia chegado ao Oceano índico. Se a influencia de Ahmad foi pessoal ou intelectual, provavelmente jamais saberemos.
Ahmad Ibn Majid morreu no ano de 1500, quando outro navegador português, um tal de Cabral que também tentava chegar a índia, acabou batendo num pedaço de terra no meio do caminho, no qual moramos hoje. Na cultura pop, na série de televisão Star Trek: Picard, ambientada no futuro, o personagem Cristóbal “Chris“ Rios (interpretado por Santiago Cabrera) é um ex-oficial da Frota Estelar que já serviu na nave estelar da Federação ’’USS Ibn Majid’’, NCC-75710, conforme revelado em o episódio de 2020 “Broken Pieces“, uma referencia e homenagem a Ahmad, que sem sombra de dúvida deixou um legado ambivalente para a navegação da civilização islâmica e ocidental.
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